Quem analisa os ciclos políticos da República brasileira, desde sua proclamação à revolução de 30; desta ao suicídio do presidente Getúlio Vargas; da Constituição de 46 à instauração dos regimes de exceção a partir de 1964, do retorno das eleições indiretas e da morte de Tancredo à nova Constituição “cidadã” de 1988; do impeachment de Collor à eleição de Lula; do mensalão ao Impeachment de Dilma; da instabilidade econômica e das negociatas do governo Temer, vê-se em face de um regime que não funciona.
A república presidencialista tem sido, no Brasil, antes um viveiro de crises crônicas do que uma instituição radicada nas aspirações do nosso povo.
Fale-se mal ou bem, inegável que ao menos as instituições Imperiais, na esteira das instituições monárquicas portuguesas, tinham um projeto de Brasil. Sabiam onde queriam chegar e não pensavam a política apenas visando “as próximas eleições”. A República presidencialista, no entanto, abortou este projeto de Brasil. Durante toda a primeira República, de 1889 a 1930, debateu-se o regime nas tenazes de suas próprias contradições: na burla do voto, na fraude do sufrágio universal, nas negociatas e conchavos para a escolha de quem ficava com o poder, numa trama de quem sempre planejou o interesse próprio às custas do interesse do povo.
Não que a monarquia resistisse muito mais tempo. Inevitavelmente nossas instituições iriam evoluir para um republicanismo eletivo. Os ventos da história sopravam para estes lados. Os exemplos dos Estados Unidos, da Argentina e de outros países americanos onde a República fora implantada, fatalmente atrairiam o Brasil para esse regime.
Mas precisávamos nos apaixonar tanto assim por um Republicanismo de viés “Presidencialista”? Não haveria outro caminho? Somos tão cegos ao ponto de, ante a clara evidência do fracasso deste modelo, que leva a nação ao abismo, optarmos por morrermos abraçados a ele, como uma Julieta que beija seu Romeu rumo ao túmulo?
Claro, a psicologia explica: quando os preconceitos se introduzem na mentalidade e na vontade das pessoas, adquirem o conteúdo das ideias feitas, criando razões que justifiquem e retroalimentem cegamente as paixões.
O sistema político nos molda os hábitos. Marca de modo indelével os comportamentos de todos os políticos do país que se aventuram nas entranhas do presidencialismo. Testa virtudes e alicia os incautos. Molda caráteres e quase que num tom novelesco, amaldiçoa carreiras que poderiam ser brilhantes se antes fossem outras as regras políticas. De fato, nosso presidencialismo, a história nos comprova e Rui Barbosa já sentenciava, “abre o primeiro lugar do Estado a concorrência dos menos capazes”. Inaugurou o processo de crises que, longe de terem prazo para acabar, se repetem infindavelmente deixando a instabilidade como a marca da política brasileira.
Não duvido que a república presidencialista será reformada. A racionalidade humana existente nos brasileiros um dia irá acordar para o caos que esta instituições produzem. Todavia, ainda escuto: “Mas parlamentarismo com estes deputados e partidos? Fracasso, tragédia, impossível”. Tais preconceitos dizem os incautos, sem perceberem que estes deputados e estes partidos são os do presidencialismo, e não os do parlamentarismo, que sem chances de surgir, carrega a injusta pecha de inviável sem ter a oportunidade de mostrar suas inegáveis vantagens.
Em um sistema em que ocorrem constantes sobressaltos, que gerou as oligarquias da República velha e do coronelismo e que, em vinte anos apenas, de 1945 a 1965, assinalaram a deposição de quatro presidentes, o suicídio de um, a renúncia de outro e a cassação dos direitos políticos de três. Que possibilitou e justificou 20 anos de crises políticas dentro de vários regimes de exceção; que de 1985 a 2005 presenciou a posse de um vice, José Sarney, ante a morte do eleito Tancredo; que assistiu a deposição de jovem eleito, Collor, tragado pelo sistema de negociatas e barganhas, afundado em esquemas de corrupção; que viu crises econômicas estratosféricas e índices inflacionários galopantes; que assistiu a esperança de muitos se esvaírem já em 2005 com escândalos de corrupção, com dólares na cueca e compra de parlamentares com dinheiro público no caso “mensalão” e que, de 2015 a 2017 vê a deposição de outra Presidente, afundada em escândalos e crises, e que permite a salvação de outro, igualmente envolvido em atos vexatórios e corruptos e que usa do sistema para se salvar, ao invés de usar das regras políticas para salvar o povo, só posso concluir uma coisa, parafraseando Camões, que nunca imaginaria que seus versos, feitos no século XVI, pudessem servir para explicar o funcionamento da política brasileira, um verdadeiro toma-lá-dá-cá, quando disse que “Corre sem vela e sem leme o tempo desordenado, dum grande vento levado; o que perigo não teme é de pouco experimentado”.