Os sucessos - ou fracassos - causados pelo estabelecimento da República desde a derrubada da monarquia em 15 de novembro de 1889 acabaram com a credibilidade da autoridade política. Desde então ela é vista com ranço já que a queda do Imperador abriu as portas àqueles horizontes nunca antes ousados, a tudo quanto se pudesse fraudar, burlar e corromper. No Brasil republicano, o descaso com a vida pública contrasta com a austeridade e honestidade adotada pelo Imperador Pedro II durante o Império.
A classe política republicana sempre viveu em sintonia com o povo, do qual ela própria é oriunda. Todavia não é uma sintonia sã, sincera; mas uma sintonia para saber como tirar melhor proveito, impunemente, de todos os cargos públicos.
A classe política republicana e os sucessivos governos dela oriundos agem conforme o conhecido procedimento do teste de Pavlov com o cachorro.
Esse cientista isolou um cachorro em um recinto e, em determinados horários, batia uma sineta dando-lhe comida. Em outros horários, fazia um sinal diferente, e dava-lhe uma surra. Bastou pouco tempo para que o animal ficasse de pé com a sineta, esperando pela comida e se encolhesse ao outro sinal, sabendo que ia levar uma sova. Depois que o cachorro se acostumava aos sinais, Pavlov trocava-os, levando o animal a uma imensa confusão e a aniquilação total de suas reações já que o pobre bicho não sabia o que esperar após escutar a sineta.
De modo semelhante é o que faz a classe política republicana no nosso presidencialismo implementado há 127 anos. Quando os políticos querem tomar uma medida mas tem receio da reação popular, aplicam o processo de Pavlov. Os jornais estampam: “Vem aí uma reforma”. Depois, no outro dia: “Fulano declara que a reforma não virá”. Em seguida: “Congresso declara que a reforma é necessária”. Depois, debates na mídia, com políticos discutindo o assunto sem chegar a conclusão alguma. Não se fala no caso por alguns dias (período de acomodação), e depois é repetido o processo de vai-e-vem da reforma.
O povo fica reduzido a um não agente, mero paciente dos acontecimentos. Perdido, não vê lógica nem consequências. Acha seu raciocínio inútil, pois vê tudo desabar a sua volta. Fica como o cachorro da experiência de Pavlov: sem reação. Então, os dirigentes da política fazem o que querem e não o que o povo quer, pois ele não reage.
O povo não reage porque, depois de ver sucederem-se cansativamente os mesmos fatos e atores políticos, com as mesmas roupagens ao longo da história republicana, mudando-se apenas as colorações partidárias, representando os mesmos papéis, adotando as mesmas atitudes e posturas, repetindo as mesmas mensagens e formulando as mesmas promessas, esse povo cansado e descrente, impotente diante da prova das incapacidades e das improvisações que o empobrecem, chega quase a dormir de tão anestesiado que fica. Não aplaude, não vaia, tornou-se indiferente, insensível: vive da mesma maneira com que um sonâmbulo caminha pela casa, à noite.
Quanto mais o povo se encolhe, se aliena, quanto mais deixa, mais fica brutalizado o seu espírito coletivo, mais se aproveitam os Pavlos da baixa política. Caráter esboçado nas propinas, licitações fraudulentas, recibos falsos, superfaturamentos, farra com empreiteiras, compra de votos, fortunas criadas do dia para à noite e uma série de comportamentos que tornam o povo tal qual o cachorro de Pavlov.
Enfim, é desnecessário enumerar todas as mazelas do regime republicano presidencialista brasileiro. Todos os políticos e eleitores que concordam com os fatos acima narrados, certamente foram a favor da República e do presidencialismo no plebiscito de 1993.
Vale lembrar, aqui, a mágoa e a frustração de Rui Barbosa, no fim de sua vida, ao dizer:
O mal grandíssimo e irremediável das instituições republicanas consiste em deixar exposto à ilimitada concorrência das ambições menos dignas o primeiro lugar do Estado e, desta sorte, o condenar a ser ocupado, em regra, pela mediocridade.
Já em 1889, após a queda da monarquia, foram proféticas as palavras do presidente da Venezuela, Juan Pablo Rojas Paúl, após tomar conhecimento, pelo Cônsul brasileiro, em Caracas, da deposição do imperador:
Senhor Cônsul do Brasil, peça a Deus que sua Pátria, que tem sido governada durante meio século por um sábio, não seja de hoje em diante levada pelo tacão do primeiro tirano que o exército apresente […] Acabou a única República que existia na América: O Império do Brasil!
Observando hoje, democracias como Grã-Bretanha, Canadá, Suécia, Noruega e Espanha, todas monarquias, será que o 15 de novembro de 1889 atendeu as expetativas prometidas?