O registro fotográfico de nossa comemoração da aprovação do projeto que buscou esclarecer o significado de certos termos contidos no Plano Municipal de Educação, no plenário do parlamento passofundense, empunhando a primeira bandeira do Império Brasileiro, suscitou uma série de reações por parte não apenas dos veículos de comunicação, mas de parte do público em geral. Essa consternação já era mais do que esperada. Afinal, se nos últimos dois anos vimos a esquerda se escandalizar pelo simples uso da bandeira nacional atualmente em uso, alcunhando tal atitude de fascista, prever que essa união das cores da bandeira a um distintivo nobiliário suscitaria o furor de toda a esquerda não poderia ser exatamente considerado um exercício sobrehumano.
Como todos sabemos, cada um carrega as bandeiras daquilo que admira. Algo curioso é perceber que a ostentação de símbolos de regimes totalitários, como as do assassino Che Guevara, ou da foice e do martelo, símbolo dos totalitarismos genocidas do século XX, não seja encarado com tanto espanto, não tanto pelo público, quiçá ignorante do que tal figura representa, mas pela classe jornalística, que teria em tese, por atividade, buscar se informar dos fatos.
A bandeira que exibimos no plenário, na tarde de segunda-feira é, antes de mais nada, um símbolo histórico, relacionado à nossa Independência. Isso não quer dizer que faltem elementos para admirar o Império Brasileiro; muito pelo contrário. Dentre eles se inclui seu sistema de governo: à época, o Poder Moderador impunha uma verdadeira alternância de poder entre os dois partidos, a fim de que oligarquia nenhuma se eternizasse no poder. Ouve-se críticas a tal modelo, pejorativamente intitulado por alguns de parlamentarismo às avessas, mas a verdade é que, somente graças a ele, puderam ser garantidas a estabilidade e a alternância de poder que se verificaram durante todo aquele período. A realidade de que o regime de sufrágio nem sempre é o melhor, especialmente numa sociedade semi-feudal como era o Brasil do século XIX, aparentemente ainda escandaliza a alguns.
O fato é, porém, que a monarquia girava em torno da unidade nacional e do bem-comum do país. Graças a ela, manteve-se um país coeso, menos sujeito aos abusos e às guerras civis promovidas por caudilhos, observadas durante todo o século XIX nos países vizinhos, e que ressurgiram com toda força, por aqui, no período republicano.
Essa estabilidade política conferia ao Brasil uma grande respeitabilidade perante todo o Ocidente, a ponto de o Império ter chegado, à época, a dispor da quarta maior marinha de Guerra do mundo. Obviamente, nem tudo eram flores à época, e as instituições econômicas do Império não eram das melhores.
A Família Real se notabilizou, porém, por uma contínua luta pela abolição da escravatura, que culminou na Lei Áurea. Essa atuação enfrentou, desde o começo, muitas oposições; mas foi, ao fim e ao cabo, vitoriosa. Não por acaso, várias personalidades ilustres do Império, amigos da família real ou simpatizantes da monarquia, eram negros ou mulatos, como os irmãos André e Antônio Rebouças, e o maior escritor da história do Brasil, Machado de Assis. Outras personalidades que abrilhantaram o período eram, igualmente, monarquistas, como Joaquim Nabuco (na sua maturidade) e Alberto Santos Dumont, amigo pessoal da princesa Isabel.
Esta, aliás, assim como seu pai, foi uma personalidade notável. Foi decisão sua depor um primeiro ministro favorável à manutenção da escravatura por um abolicionista, a fim de que a Lei Áurea fosse votada. E pode-se dizer que assim o fez a despeito de seu suposto interesse pelo poder, pois um dos principais fatores para a derrubada da monarquia foi exatamente o descontentamento gerado pela abolição da escravatura entre certos cafeicultores.
Não à toa, a monarquia era também, à época, muito popular entre os negros. Sinal disso se encontra nos nomes das escolas de samba do Rio de Janeiro: Império Serrano, Imperatriz Leopoldinense. Além disso, mesmo algumas cujo nome não faz referência à monarquia, como a Mangueira, a Viradouro e Vila-Isabel, trazem a coroa em suas bandeiras.
D. Pedro II, por sua vez, era um polímata e poliglota e se correspondia com várias personalidades ilustres de sua época. Graças a sua amizade com cientistas, como Alexander Graham Bell, estava sempre buscando que novas tecnologias, como o telefone e o telégrafo, fossem adotadas no país. Ele jamais admitiu que sua renda fosse aumentada e morreu pobre no exílio, sendo mantido pela ajuda de amigos. Isso tudo, além de ter legado a sua filha o engajamento pela abolição dos escravos, conseguida após sucessivas leis, que reduziram a proporção de escravos em relação à população total de cerca de 1/3 (1,5 milhão para 4,8 milhões) no início do século, para cerca de 1/20 (700 mil para 14 milhões), próximo à data da abolição.
A “república”, a seu turno, foi instituída com base em um pensamento de cariz totalitário. O positivismo cometano era uma doutrina autoritária e que pretendia gerar o “progresso” por meio de um poder centralizado supostamente baseado na “física social”, de matriz mecanicista, ideada por formulador.
O historiador José Murilo de Carvalho alcunhou esse movimento de “bolchevismo da classe média”. Aliás, essa corrente de pensamento político figura no clássico de Voegelin, A nova ciência da política, ao lado do marxismo, como um dos regimes herdeiros do joaquimismo, doutrina herética que pretendia ver totalmente realizada, dentro da história, a idéia de paraíso. Além de tudo, a doutrina de Comte, como praticamente todas as correntes imbuídas do cientificismo do século XIX, tendia fortemente ao racismo.
Nossa república de inspiração positivista foi, sem dúvida, um período conturbado. Presidentes militares, seguidos de oligarcas do eixo São Paulo-Minas, sucedidos por lutas fratricidas cujo desfecho foi uma longa ditadura baseada no culto ao líder deram o tom ao período. O próprio Rui Barbosa, que apoiou o golpe militar e foi um dos ideólogos das instituições da república, arrependeu-se amargamente ao descobrir que sua Constituição de papel e seu dinheiro de papel (recordemos o Encilhamento) nada podiam contra a força bruta das elites oligárquicas locais, e lamentou haver apoiado a proclamação da "república".
Na verdade, parafraseando o pesquisador Christian Lynch, poderíamos dizer que o Império é que era república. A “república” proclamada em 1889 era apenas um ringue de combate das oligarquias locais entre si. Seu resultado, desde então, tem sido uma sucessão de domínios oligárquicos, conflitos civis e ditaduras, com períodos democráticos intermitentes.
No período pós-1889, o movimento parlamentarista apareceu no cenário nacional capitaneado por aqueles simpatizantes da monarquia, como Gaspar Silveira Martins (provável futuro primeiro-ministro, caso não houvesse o golpe), cuja ação deu origem ao Partido Federalista, dos Maragatos. Essa tradição verdadeiramente republicana, que é também a do Partido Libertador, foi oposição à centralização autoritária do Castilhismo positivista e de seu herdeiro, o Getulismo (que muito se parece com o Lulismo), uma prática política baseada no culto ao líder e numa brutal centralização e uniformização políticas, que prevaleceram na primeira metade do século XX.
Após o breve período democrático, de 1945 a 1964, o país foi novamente arrojado em instabilidades, que resultaram na medida civil-militar desse último ano. Mais um período de ditadura centralizadora foi vivenciado, ainda que mais branda. Tendo ele passado, viu-se a ascensão de dois presidentes advindos de oligarquias nordestinas, dos quais um sofreu impeachment.
A eles, seguiram-se os governos Fernando Henrique, que foram benéficos, de maneira geral, por promoverem a estabilidade econômica do país, pelo Plano Real. Findo este, porém, testemunhamos a ascensão de mais um movimento baseado no culto ao líder – que continua até agora –, que pretendia se perpetuar indefinidamente no poder, e cujo único êxito foi haver mantido o famigerado tripé macroeconômico num tempo de bonança, em que a alta dos termos de troca, a baixa do dólar e o bônus demográfico permitiram à economia brasileira crescer, apesar do partido que governava. Afinal, nesse período, dentre os chamados “países em desenvolvimento” o nosso país cresceu apenas mais do que o México.
Infelizmente, tal crescimento, mesmo sendo apenas modesto, em comparação ao de outros países de mesmo porte no mesmo período, foi o suficiente para alavancar o mito do grande estadista Lula, e lhe permitiram emplacar como sucessora uma mulher sem preparo algum, cujo maior mérito foi haver rendido risadas aos brasileiros, com comentários como o do “cachorro oculto”, da “saudação à mandioca”, da “mulher sapiens”, dentre outros.
Dilma Rousseff certamente não conseguiu “estocar vento”, mas deu uma estocada nos cofres públicos e deixou as finanças brasileiras numa situação combalida, o que lhe precipitou o fim de mandato. As intenções totalitárias do partido, porém, ficaram ainda mais escancaradas, após o impeachment, com a divulgação da Resolução de 17 de maio de 2016, muito embora sua proximidade com Cuba, Venezuela e tiranias africanas já fossem motivo mais do que suficiente para suspeitar disso.
Até o presente momento, já se passou mais de um século desde o fim do regime monárquico. Os problemas, contudo, em linhas gerais, continuam a ser os mesmos (e pode-se mesmo dizer que foram agravados): ausência de separação entre chefia de estado e chefia de governo; presidencialismo de cooptação (dito “de coalizão”), que por muito tempo serviu para alocar os apaniguados de algumas oligarquias locais; e a ausência de um Guardião da Constituição devidamente institucionalizado.
Recentemente testemunhamos a composição de um STF não apenas subserviente a desmandos, mas mesmo disposto a avançar uma agenda “vanguardista”, “neoiluminista”, capitaneado por um ministro que sequer ruboriza ao proferir uma ameaça ao mais básico dos direitos do mais indefeso dos seres humanos, com a alegação de que “se a sua vida depende do sacrifício da minha liberdade individual (esclarecemos: do meu arbítrio ou licenciosidade), e eu não quero sacrificar minha liberdade individual, você perde” .
Graças a Deus, o povo brasileiro, além dos condutores da operação Lava-Jato, diante da iminência da ascensão de um governo totalitário como o de Cuba ou Venezuela, e não sem apoio do Exército, cumpriram esse papel deixado praticamente vazio, pelos ministros da Suprema Corte, e não deixaram que o totalitarismo prevalecesse.
Encerrado este ciclo, porém, tornam-se, mais do que nunca, necessárias uma reflexão sobre a real natureza da nossa república e de suas configurações e turbulências e uma reavaliação sobre o verdadeiro significado do período imperial, cuja constituição durou 67 anos, e de suas instituições.
Há muito tempo tenho refletido sobre o assunto, tendo, inclusive, reunido muitas delas na trilogia de livros que venho escrevendo, e cujo objetivo é esclarecer, para o público leitor, o conceito de 'república'. Deles, o primeiro se dedica a tratar dessa questão na Antigüidade clássica. A importância dela para o Brasil é abordada no terceiro volume.
Espero que, nos próximos anos, essa discussão fundamental se aprofunde e possamos testemunhar um debate mais sério e menos permeado por radicalismos ideológicos, a fim de que possamos ver realizadas no Brasil ao menos algumas das reformas de que o país precisa e ao menos algumas das virtudes que o Império ostentava.