Neste último sábado, muitos de nós brasileiros pudemos testemunhar, em cadeia nacional, um episódio que poderia entrar para a nossa história republicana como apenas mais um discurso de um líder populista entre tantos já proferidos.
Mas engana-se quem pensa que se tratou apenas disso. No deplorável espetáculo desse sábado, o sentimento mais elementar de justiça do povo foi espezinhado, e o manto de nossas instituições republicanas foi arrancado, restando o rosto de cada brasileiro, de norte a sul, escarrado com cusparadas de cachaça do ex-Presidente Lula.
No seu discurso, uma fraseologia insana que incitava à violência, tentava desacreditar o aparato policial, judicial e militar, e buscava constranger a imprensa livre e o cidadão honesto que paga seus impostos. Os impropérios atingiram o seu ápice, quando o lunático Lula, não se contentando “a sair de cena para entrar na história”, ou a “entrar na cela para sair da história”, resolveu vociferar em toda sua fúria a maior das sandices.
É mesmo comum que alcóolatras tenham por expediente repisar insistentemente o mesmo assunto; igualmente comum em alguns desses alcoólatras, como é de comum sabem, é o costume de contar vantagens. No caso do ex-presidente, essa insistência se concentrava na repetição do mito de homem mais honesto do mundo. E essa cantilena alcançou o auge quando o ex-Presidente, num bramido psicótico de messianismo megalômano, exclamou uma frase que resume – e revela, a uma só vez – a hedionda face dos regimes totalitários que, como o do PT, propõem a desumanização como meio, pela completa instrumentalização do ser humano a serviço da ideologia: “Eu não sou mais um ser humano, eu sou uma idéia!” Talvez 51 seja o número dela; ainda que neste caso se trate, ao contrário do sugerido pela propaganda, certamente de uma má-idéia.
O sonho da razão produz monstros…Neste horrendo espetáculo – em que, para muitos, a outrora carismática figura do torneiro mecânico que personificava um projeto utópico para o país, foi definitivamente sepultada –, talvez muitos brasileiros que um dia nele depositaram sua esperança como salvador da Pátria, tenham experimentado um sentimento de orfandade. Uma parte de Brasil se tornou órfã; e órfã de um pai alcóolatra.
Mas ser filho de um pai alcoólatra não é uma fatalidade incontornável, não é um destino inexorável. Ainda que muitos filhos de pais alcoólatras acabem eles mesmos por traçar o caminho do pai – e aqui a analogia com a política também serve –, o fracasso na vida, por esta via ou pro outra, não se impõe necessariamente. Um dos talentos corriqueiramente reconhecidos aos filhos de pais alcóolatras é o talento para atuar. Chegam a ser, às vezes, tão bons atores, que se tornam profissionais; tão bons profissionais, que se tornam políticos; e por vezes, tornam-se tão bons políticos, que são eleitos presidentes. E tão bons presidentes que provocam uma reviravolta na história!
Neste sentido, Ronald Reagan, que juntamente com a figura do Papa João Paulo II, foi um dos protagonistas da derrocada do Comunismo no Leste Europeu, é um exemplo a se seguir.
Isso não significa que precisemos ir muito longe para nos espelharmos em exemplos de bons políticos, obviamente. Podemos aqui, seguir o conselho de Burke: “Se as gerações mais recentes do seu país parecem não ter muito brilho perante vossos olhos, você deve deixá-las de lado e apoiar seus juízos numa linhagem mais antiga de ancestrais”. Afinal, nossa própria história política possui um passado glorioso, repleto de exemplos de grandeza e de humildade, nomes como José Bonifácio, Bernardo de Vasconcellos, Visconde do Uruguai, Joaquim Nabuco, o Duque de Caxias, D. Pedro II, o nosso Osório, nosso Silveira Martins, Afonso Arinos, Paulo Brossard e tantos outros. Quem, hoje em dia, teria a grandeza de uma Princesa Isabel? Ou terá alguém proferido, na nossa história recente, uma frase tão repleta de humildade e de espírito público como esta: “Mil tronos eu tivesse, mil tronos eu daria para libertar os escravos do Brasil”?
Mas não apenas de pessoas vivem as repúblicas. É importante reformar as instituições. As pessoas passam, as instituições ficam. Não se põe vinho novo em odres velhos, como diz o Evangelho. Slogans moralistas que sugerem soluções fáceis como “é só votar no candidato certo” ou “é só prender todos os corruptos”, obviamente desatentam a um aspecto essencial da vida política de um país. A própria natureza humana, mas também o atual quadro da modernidade, salpicado de ideologias as mais extravagantes, torna imperioso opor balizas para conter as ânsias desmesuradas de poder, tanto de indivíduos auto-interessados, como de partidos políticos. Devemos amortizar a ingerência dos Governos nas estruturas de Estado e de Administração, não apenas para que esta não mais degenere em processos totalitários como os da última década, mas também para que o país se afaste cada vez mais do seu primordial fisiologismo. Como costumo insistir, é necessária uma separação estrutural, que mantenha os interesses, não apenas os partidários, mas também os claramente parciais, longe daquilo que é estável e universal, daquilo que é comum a todos.
Aqueles que, tomando partido – seja de ideologias de luta de classes, seja dos próprios interesses acima dos de todos os demais –, se arrogam em donos do país não podem ter o aval das instituições para malversarem sistematicamente o erário, e menos ainda para perpetuarem projetos totalitários de poder. Só com uma separação entre estruturas de Estado e de Governo, a política de pessoas sãs poderá prosperar, evitando espetáculos como os presenciados por todos os brasileiros no último sábado.
Para isto, deve também concorrer a tão sonhada reforma eleitoral, a fim de que, uma vez implantado o sistema majoritário de voto por distritos, que terá por necessário efeito o barateamento da campanha, não mais prevaleçam, sobre a honestidade e a competência no cuidado do bem-comum, a corrupção e os interesses das grandes corporações.
Somente quando as instituições políticas brasileiras forem reformadas e passarem a se revestir daquele mínimo de racionalidade requerido para um bom funcionamento, será finalmente possível ao povo brasileiro, tão achincalhado após os acontecimentos de nossa história recente, consolidar de uma vez seu pleno restabelecimento político, e finalmente dar cumprimento a uma das frases mais bonitas do nosso cancioneiro: “Um homem de moral não fica no chão. […] Reconhece a queda e não desanima: levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima!”