O Parlamentarismo e a Hora Presente
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  • 20/08/2017

O Parlamentarismo e a Hora Presente

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Este texto, escrito por João Camilo de Oliveira Torres, foi publicado quando da implementação do parlamentarismo no Brasil em 1961. O sistema parlamentarista, cujas virtudes e os efeitos positivos são desconhecidos ainda hoje, pela maioria dos brasileiros, salvou o país, à época, da desordem política, da instabilidade e impediu que naquele ano ocorresse uma Guerra Civil no Brasil, possibilidade que se antevia frente as divergências ideológicas acirradas. Escrito há mais de 50 anos, o texto não poderia ser mais atual.

 

O Brasil está passando por importantes transformações, entrando na sua fase de maturidade econômica e cultural. O crescimento rápido da população, a industrialização, uma produção intelectual e, principalmente, as qualidades de disciplina a respeito à lei, demonstradas na mais recente crise política, tudo isso revela que estamos em condições de passarmos a ser uma grande nação.

Para isto, todavia, importa que as nossas instituições políticas estejam a serviço da vontade do povo de progredir e crescer. O presidencialismo, sendo um sistema que provoca agitações periódicas, que faz de cada situação política um mundo à parte, que transforma as lutas políticas em competições entre indivíduos ambiciosos, era um obstáculo ao progresso, que assumira formas espasmódicas, com estrangulamentos sucessivos. E, como todo candidato, pelo custo de sua campanha termina, de um modo ou de outro, dependente de grupos econômicos, uma reforma em profundidade nunca seria possível. O parlamentarismo, sistema político mais barato, mais plástico, mais prático, permite reformas continuadas e progressivas, sem abalos nem confusões.

Hoje, depois do Ato Adicional de 2 de setembro (que instituiu o Parlamentarismo), o Poder Executivo federal torna-se um instrumento de ação sobre o qual pode o povo influir diretamente, sem estar sujeito ao domínio totalitário de um homem sobre uma nação. O governo, hoje, está mais aberto ao povo.

E, com os aperfeiçoamentos necessários, como por exemplo, uma reforma eleitoral na linha do projeto apresentado pelo senador Milton Campos, teremos dentro em breve, um instrumento plástico e flexível destinado a realizar as tais urgentes aspirações do nosso povo, como o desenvolvimento uniforme de todas as regiões do país.

Isso, obviamente, não quer dizer que todas elas deverão ter a mesma forma de atividade econômica, o que é evidentemente impossível, mas que possuam, na agricultura, na pecuária, na indústria de qualquer tipo, o mesmo nível econômico, isto é, a mesma capacidade consumidora do povo. Ou, então, a estabilidade da moeda: quando presidencialismo foi imposto ao Brasil, por uma sedição militar à qual o povo "assistiu bestificado", o câmbio estava acima do par, com a libra esterlina cotada a 9 mil réis. No momento em que se restabelece o governo parlamentar, a libra esterlina está custando algumas centenas de cruzeiros. Ou, por fim, as reformas sociais necessárias para dar a todos os brasileiros iguais oportunidades. 

Com o parlamentarismo, fixamos a Abolição suavemente, numa época e em condição tais que a própria lei de Ventre-Livre, que pode parecer moderada, seria revolucionária. Não há, das várias reformas propostas atualmente, nada que se compare à Abolição em violência e profundidade. E, quando olharmos a situação do mundo, verificaremos que o país socialmente mais avançado é de governo parlamentar - a Suécia: verificaremos também que a situação do trabalhador é melhor nos países de governo parlamentar, que aliás, conseguiram abolir a necessidade e estabelecer a segurança social, sem destruir a liberdade e nenhum outro valor essencial dos regimes antigos. E quando um autor quis estudar as experiências políticas e sociais dos reinos da Escandinávia, achou um título sugestivo, a "democracia eficaz".

Se o primeiro dever do Estado é garantir a segurança de todos, se devemos evitar a guerra civil que logo põe em perigo a unidade nacional, isto somente se acha garantido num sistema em que as revoluções ficam afastadas. Olhemos para a nossa América, onde estão as únicas nações presidencialistas. Somos o continente das revoluções; e das ditaduras. Uma nação escapa, a única nação da América virgem de revoluções: o Canadá.

Nos Estados Unidos, quando houve um problema social grave, o da Abolição, verificou-se uma guerra civil que quase acabou com a unidade nacional. E não falemos nos presidentes assassinados. O parlamentarismo, pois, garante a própria unidade nacional, que o presidencialismo, periodicamente, põe em perigo.

O Senador Milton Campos, no primoroso discurso com que anunciou a sua conversão ao parlamentarismo fez um estudo de rara finura psicológica da solidão do presidente. O presidente é o grande solitário, sem iguais, sem conselheiros, servido mas não tendo colaboradores, podendo fazer de qualquer indivíduo um ministro, um banqueiro, um alto dirigente, não tendo contas a prestar a ninguém, responsável somente perante Deus e sua própria consciência (e podendo, desgraçadamente, não acreditar em Deus nem ter consciência), não lendo as críticas da Oposição (a menos que as queira ler, o que é raro), com perpétuos serviçais e aduladores - termina sendo vítima de sua solidão e perdendo por completo o sentido das realidades. 

O problema, aliás, é antigo: os césares romanos foram vítimas de um sistema semelhante, assim como os reis do século XVIII, embora amparados pelos costumes, pelas leis que eles obedeciam e pela religião; na história sempre que um sistema político isola um homem completamente, no topo da montanha, de lá se precipita ele ruidosamente, até atingir às tragédias inenarráveis.

A condição de governante, em qualquer regime, é terrível, e Pascal dizia que os reis de seu tempo procuravam divertimentos para não pensarem na tremenda responsabilidade do cargo. Os reis antigos possuíam cortes, viviam no meio de muita gente, nunca estavam sós. Hoje, evidentemente, os reis levam a vida mais humana, e o governo é parlamentar. Na maioria das monarquias modernas, a vida da família real não se distingue da de qualquer outra família, o que permite liquidar o triste isolamento do poder supremo. O trágico fim do Sr. Getúlio Vargas mostra, com cores muito vivas, até que ponto chega o isolamento do presidente e até que ponto as crises inerentes ao presidencialismo podem chegar.

Se fôssemos definir numa fórmula o parlamentarismo, poderíamos dizer que procura a humanização do poder - o que é um bem para os povos e para os próprios governantes.

Por Mateus Wesp