Conta o Evangelho que em Jerusalém, no tempo do rei Herodes, havia uma moça, Salomé, muito bela e dotada de diversos dotes sensuais. Em determinada data, dançando na festa de aniversário do rei, agradou a Herodes que, em frente a todos os presentes, encantado com tamanha graça, sob juramento prometeu “Se pedires, ainda que seja a metade do meu reino, eu te darei!”.
A menina, boa moça, foi correndo ter com sua mãe, Herodias, para saber o que deveria pedir ao rei, já que ele acabara de se comprometer perante todos os presentes, em conceder a moça o que ela quisesse. Herodias, que não gostava de João Batista, o primo de Jesus Cristo que nessa época pregava no deserto, pediu a cabeça do profeta.
O rei Herodes, que temia incorrer na fúria divina caso decapitasse João Batista, acabou consentindo com o pedido afinal, tendo se comprometido, a base de seu poder, pressupunha sua capacidade de manter suas promessas já que, se não as cumprisse, ninguém veria sentido em continuar lhe obedecendo.
A vida em comunidade e segundo uma ordem jurídica é tal qual este relato. Para vivermos em comunidade firmamos um pacto e nos comprometemos a cumprir regras. Evidente que ninguém seria ingênuo de imaginar que todas as regras sejam agradáveis. Até mesmo uma criança que vive em família sabe que a vida em coletividade não possibilita se fazer tudo o que se quer e como se quer.
O pacto, também chamado como lei, faz com que todos sejam iguais perante as mesmas regras. Todos os benefícios e malefícios que temos em comunidade são oriundos das regras. Tudo o que temos ou fazemos decorre do estabelecimento da lei e do pacto que todos aceitamos firmar para vivermos juntos. Ninguém é obrigado a aceitar o pacto de viver em nossa comunidade. Pode escolher outro pacto em outra comunidade. Mas, aceitando a nossa sociedade, deve se submeter as regras pertinentes a ela. Quanta ingratidão ter tudo em virtude da lei e do pacto (família, salário, mandato, emprego, direitos), e questionar a lei e o pacto quando ele não me agrada em algum ponto ou não me beneficia.
Ao firmar o pacto, o cidadão se torna partícipe de todos os bens da comunidade, e também de todas as mazelas. É um casamento. Aquele que só quer o lado bom do pacto age como um tirano, que quer se aproveitar das vantagens do pacto quando convém e desobedece-lo quando não convém. Age de modo infantil, como uma criança mimada, que só obedece os pais quando é para obter vantagens.
Em nossa cidade observamos diversas demandas por direitos. Brados e clamores por habitação e moradia são os mais recorrentes. Agora, quando se fala em obter tais direitos de acordo com a lei e a ordem, de forma organizada, por meio da edição de leis...bem, aí a conversa é outra. Nesses casos, dizem alguns, deve-se quebrar o pacto, partir para a tática da invasão da propriedade alheia, desrespeitar o direito, já que deste modo ele não me agrada.
O único motivo de vivermos em convívio com outras pessoas e obedecermos regras (qualquer regra) parte da certeza de que, tanto nós quanto os outros, e mesmo o Estado, irão cumprir com as regras e os pactos firmados. Do contrário, porque obedecer, se o que vale é a lei do mais forte?
De fato o que nos torna mais humanos é a capacidade de prometer e de, depois de prometido, cumprir a palavra, obedecer os pactos. Do contrário, porque afinal pagamos nossa contas ou obedecemos os contratos?
A necessidade de moradia em Passo Fundo, problema real que deve ser resolvido, não pode justificar a desobediência civil. Se os passo-fundenses têm direito a moradia, isso decorre de uma lei, de um pacto. Não podemos, sob pena de nos tornarmos hipócritas, obedecermos a lei quando agrada e desobedecer quando convém. Direito à moradia sim, invasão à propriedade privada e baderna, jamais.
Parece que a alguns cairia bem ler um pouco do Evangelho e lembrar do rei Herodes para entenderem a importância de se manter a palavra e de se cumprir com os pactos. Podemos divergir da forma que a lei ou a administração vem trabalhando, pois bem, trabalhemos para melhorá-la sem, contudo, deixar de respeitar a lei dando a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus.