Não é de hoje que acompanho a política nacional. Faz exatos dez anos que abandonei o sonho juvenil de seguir uma carreira diplomática e tantos outros convites para seguir uma carreira jurídica para atuar na política, pois, afinal, convivendo já em 2007 com o querido mestre e professor Dr. Cezar Saldanha Souza Junior, a quem dedico o amor pela verdade, fui “intoxicado” pela ideia, tão cara ao professor, da necessidade do país ter reformas institucionais.
Aquilo que popularmente chamamos de reforma política, se refere, no fundo, a três inovações institucionais: a) do sistema de governo, evitando a concentração das funções de Estado, Governo e administração (parlamentarismo para os leigos) nas mãos dos Chefes do Executivo; b) do sistema eleitoral, capaz de produzir maiorias ideológicas estáveis, com redução do número de partidos (voto distrital como comumente chamamos); e c) a reforma da federação, municipalizando as competências e recursos ao propiciar a subsidiariedade ao invés da concentração totalitária de recursos nas mãos da União.
Confesso que ao conviver com o prof. Cezar percebi que o Brasil luta há anos, décadas, pela solução de crises políticas recorrentes e intermináveis e que a história da República tem sido uma longa novela na qual a busca dos nomes presidenciáveis certos para “salvar” o Brasil para ser o enredo da trama. Incutido pelo ideal de reforma política, aprendi que o problema não está nos nomes para a presidência, até porque, sabia por ouvir o próprio prof. Cezar que, por experiência própria, muitas tinham sido as Constituições, os regimes, os partidos e os candidatos, os Presidentes, sem que acabassem as crises e o país se salvasse. Afinal, não são as críticas políticas de hoje, as mesmas de ontem? O sentimento de desgosto para com a classe política não é o mesmo, caro leitor, desde que você se conhece por gente?
Eu também, já em 2007, aos meus 19 anos, percebi esse mesmo problema ao ver, embora jovem, que direitas e esquerdas digladiam-se em razão de nomes para salvar o Brasil: FHC, Lula, Serra, Dilma, Alckmin ou Aécio... nomes, cada um com suas peculiaridades sem que nenhum propusesse mudanças institucionais na forma de se fazer política.
Causa um grande desconforto perceber as mudanças que o país necessita e perceber que se trava um diálogo de surdos, já que nenhum político se compromete com estes temas. E se observarmos, os estadistas que ao longo da história as defenderam, sempre padeceram do isolamento.
Lembro ainda das primeiras lições sobre Raul Pilla e Afonso Arinos, dois gigantes da política nacional que lutaram e morreram sem verem concretizadas as mudanças institucionais que tanto precisamos.
Afinal, alguém acha que o jeito de fazer política em nosso país, comprando maiorias parlamentares para se governar, trocando apoio parlamentar ao Executivo por cargos e verbas, favorecendo corporações e minorias entrincheiradas no Congresso em detrimento da maioria do povo, é algo que não faz parte de todos os governos dos presidentes brasileiros, de Campos Sales à Michel Temer?
Ora, maiorias legislativas criadas artificialmente pela barganha entre os inúmeros partidos políticos, à custa da moeda múltipla dos favores do poder e das pressões que ele exerce, são conjuntos de dificuldades e perigos. Nestas maiorias fracas e vendidas, base de apoio de todo e qualquer Presidente graças a este presidencialismo corrupto e corruptor, não pode o governante se aventurar, senão apalpando o terreno solapado pelas dissidências do interesse particular, pelas conspirações e artimanhas que buscam contentar a todos sem desagradar ninguém, pelos cálculos da ambição traiçoeira.
Esquecemos tanto assim da nossa história para não lembrar das críticas de Rui Barbosa, já em 1910 na campanha civilista, quando afirmou, após ver a desgraça da política republicana, que de tanto vermos prosperar a desonra e a injustiça, agigantando-se os poderes nas mãos dos maus, chegaria o momento em que teríamos vergonha de sermos honestos?
Vendo hoje as discussões em torno de Bolsonaro, Lula, Doria, Ciro Gomes, Nelson Jobim e Henrique Meirelles admito que me acomete o velho desconforto quase que dizendo “de novo não”, pois afinal são novos nomes (alguns não tão novos, vá lá) para o velho problema: salvar o Brasil.
Ora, assim como esses nomes são aventados hoje como panaceia para todos os males políticos - como se política fosse escalação de time de futebol, uma mera escolha de nomes (e olha que mesmo no futebol não são somente os nome que salvam, mas também instituições tais como o esquema tático, condicionamento físico e estrutura do clube) - outros já o foram no passado, desde os primórdios da história republicana como, por exemplo, Floriano Peixoto, Pinheiro Machado, Hermes da Fonseca, Carlos Prestes, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck, Jânio Quadros, Carlos Lacerda, Castelo Branco, Geisel, Tancredo, Collor, Brizola e tantos mais, todos embalados no sonho Sebastianista de esperar ou ser “o Salvador”.
E chego a conclusão que os brasileiros gostam mesmo é de um sistema político simplificado, em que o Chefe manda e o os demais obedecem. Ingenuidade pensar que ao adotarmos o nome de República perderíamos nosso zelo monárquico pela pompa e majestade do poder. O Império, ao menos, era menos hipócrita em sua realeza. Tinham estirpe, ao contrário dos Sarney’s e Calheiros republicanos. Já no Império, o sistema parlamentarista de governo parecia complexo demais, com seus mecanismos de troca de gabinete, moções de desconfiança e democracia por partidos.
O próprio Imperador D. Pedro II caiu, segundo Silva Jardim, por não ser radical e fanático o suficiente. Enfim, muito “feijão com arroz” para o brasileiro médio que, olhando para as complexas teorias filosóficas, para o intrincado sistema institucional partidário do Império, os longos discursos dos tribunos e o zelo do soberano em não se imiscuir na política, via tudo isso como algo enfadonho, pouco místico e fanático. Em suma, desapaixonado.
Prefere o brasileiro o homem de ação aos que se detêm ao longo palavreado. Compreende a arte de governar como uma direção entregue a um indivíduo e sua vontade. Alguém que manda e se faz obedecer. Basta o mandante querer o bem do povo e tudo magicamente será resolvido. Tão simples, mas ao mesmo tempo, tão utópico.
Foi por perceber isso que me embrenhei na política. Com o objetivo de um dia ver o Brasil reformar suas instituições, pensei em eu, um mero interiorano, lutar por estas bandeiras, mesmo que de um ponto distante da capital da República. E por ver tamanha timidez nas propostas, tamanha ausência de líderes que falem algo que mereça ser ouvido, tamanha indiferença com uma ideia de Brasil e uma imensa cegueira quanto ao equívoco de nossas instituições políticas é que não opino sobre nomes. Só os citarei quando decidirem ter coragem de fazer as reformas institucionais que precisamos. E como eles não falam delas, eu também não falo deles.
Infelizmente nasci em uma geração em que (e tomo a liberdade de citar novamente Rui Barbosa) a política republicana tem como característica deixar exposto à ilimitada concorrência das ambições menos dignas o primeiro lugar do Estado e, assim, condenar a Presidência a ser ocupada, em regra, pela mediocridade.
Quando indagado por vezes, se eu não estaria sendo muito “fanático” no que tange à “reforma política, parlamentarismo, etc.”, recordo a resposta do querido prof. Cezar, quando indagado certa feita, sobre este suposto fanatismo: “é exatamente por este tipo de pergunta que tenho que sê-lo. Já que ninguém fala em reformas, eu preciso continuar falando”.