É no Natal que comemoramos a Encarnação do Verbo de Deus. Ele se revelou como pessoa humana e divina, e nasceu da Virgem Maria vindo a habitar do meio dos humanos.
A primeira e mais importante das consequências do Natal, (do ponto de vista da História) é que, a partir de então, Deus, por assim dizer, entrou na História.
Foi aí que os historiadores passaram a considerar Deus sob a sua forma humana. Deus não como uma abstração, mas um corpo – a Igreja (Ekklesia), comunidade que tem em comum com Deus a própria natureza humana – cuja cabeça é Cristo. O resultado foi que toda a História humana passou a adquirir um sentido completamente novo, porque passou a ser não apenas a história de Deus e do povo de Israel, a quem esta história estivera, por assim dizer, reservada, até então. “Estáveis sem Deus no mundo”…, diz-nos São Paulo. As marcas e reflexos desse evento histórico que comemoramos todo o dia 25 de dezembro passaram a afetar todos os outros dias existentes, até o fim dos tempos.
Esse evento nos faz compreender, inclusive, toda a dor e toda a miséria presente na História da humanidade sob uma nova perspectiva. Tudo o que vem ocorrendo – da Guerra na Síria ao atropelamento seguido de morte daquela criança que chocou toda uma vizinhança – passa a fazer parte de uma categoria nova de eventos: aqueles inseridos no contexto da Encarnação do Verbo, o Natal e, posteriormente, a celebração de outro evento histórico, a Páscoa, na qual Cristo morre e ressuscita para redenção dos nossos pecados . Os eventos dramáticos, tristes e abomináveis que continuamos a presenciar em nossos dias também estão inseridos nesses eventos históricos marcantes. São o prolongamento da Paixão do Cristo por meio da nossa modesta colaboração aos sofrimentos experimentados por Jesus Cristo, figura central da História humana desde o primeiro Natal.
Com o Natal, ganhamos a Graça de Deus, invencível, que atua sempre como quer e quando quer. Naturalmente podemos – e muitas vezes por nossa teimosia ou descrença o fazemos – opor-lhe obstáculos, mas ela, independente de nossa vontade individual, despontará mais adiante. Por vezes, o egoísmo dos cristãos impede que ela realize livremente os desígnios de Deus: aqueles que se dizem contra Deus abrem caminhos, talvez difíceis e errados, por onde a Verdade e o amor passam, pois sabemos que cada maldade presenciada é, também, uma oportunidade de fazermos o bem e de vivermos, na prática, os dons dessa Graça, de modo que até mesmo a leitura dos senhores e das senhoras desse texto até o momento, tão monótono e extenso e que, por certo, causa incômodo, já é, de certa forma, uma maneira de se praticar o dom da caridade para com um jovem parlamentar gaúcho recém-eleito.
Claro, tudo isso que vos digo sobre os efeitos do Natal sobre nossas vidas e a possibilidade de que, imbuídos nesse espírito façamos o bem e pratiquemos s solidariedade, segundo nos ensinou Jesus, pode parecer muito distante do nosso cotidiano e, para muitos – mesmo que os Evangelhos do Advento nos narrem as profecias de João Batista, que avisava que isso iria ocorrer – algo pouco palpável. Ainda mais se recordarmos que os milagres realizados ao longo da vida de Cristo se deram em 3 anos apenas e em um remoto recanto do mundo, que era a região da Judéia, da Palestina e da Jordânia. Além do mais, poucos foram os beneficiados diretos pela Graça na forma de milagres. Se lembrarmos que a dor e a miséria continuam à solta no mundo, e em grandes quantidades, é natural que muitos teimem em não acreditar em tudo isso como um evento histórico verdadeiro. Muitos até comentam, cansados de vivenciarem tantas cenas de violência e maldade que “Deus não deve existir, pois, do contrário, não permitiria tanta maldade”.
Todavia, deixando de lado esse pessimismo dos incrédulos – que parecem supervalorizar as coisas ruins que acontecem –, é inegável que, com o nascimento de Cristo, houve uma transformação, e que, desde o primeiro Natal a Caridade começou a mudar a face da terra. A reação do homem em face do sofrimento passou a ser outra. Os valores propriamente humanos sofreram uma revalorização. E todas as culturas e atividades humanas foram chamadas a participar dessa renovação geral. Daí por diante a História passou a ser uma” recapitulação” (anakephalosis) geral de todas as coisas no Cristo.
Mas, afinal, de que modo o nascimento de Cristo afeta as nossas vidas? Será que fazemos esse auto-exame de como nos comportamos com relação a esse evento histórico? Será que, pelo menos no Natal, estamos vivenciando os efeitos dessa Graça em nossas vidas?
Pelo distanciamento temporal desse evento histórico, é comum que ele acabe passando despercebido e, para tentar sensibilizar – mesmo que eu o faça de forma tosca – aqueles mais insensíveis e “modernos”, vou fazer uma analogia com o mundo do cinema e da televisão. O nascimento de Cristo nos afeta tal qual os filmes e seriados que retratam catástrofes mundiais; como um “apocalipse Zumbi”, por exemplo, afeta os humanos que, desde então, têm que mudar suas vidas, costumes, atitudes e rotinas após a grande catástrofe biológica em que a humanidade, tocada por algum vírus, acaba se transformando completamente. Entretanto, e aqui a boa notícia, meus amigos, tratando-se do nascimento de Cristo, da Encarnação do Verbo e do Natal, esse evento não é ruim, mas bom, e não atinge somente alguns humanos – como vemos no seriado “Walking Dead” –, mas a todos indistintamente, quer queiramos ou não.
Naturalmente, a presença de Cristo na história e o evento do Natal não impede, por si só, muita coisa. Não impede, por exemplo, que as forças naturais da História prossigam a sua marcha, que as culturas e civilizações sigam o seu curso, fatal e incessante, de nascimentos e de mortes e, principalmente, que o mal continue atuando em nossas vidas. São inúmeros crimes, assassinatos, guerras, catástrofes que observamos no dia-a-dia, e que, muitas vezes, pela intensidade com que tocam nossas emoções, nos fazem, por alguns momentos, acreditar que no mundo só há maldade.
Mas se lembrarmos dos quatro Cavaleiros do Apocalipse, por exemplo, perceberemos que só há um cavaleiro branco (saiu vencendo e para vencer) ao passo que são três os de cores maléficas. Isso nos dá um indicativo de que, ao pensarmos no Natal, podemos ver o Cristo – com toda a gama de valores humanos positivos que nele são incorporados –, como esse solitário cavaleiro branco, e toda a maldade – com seu infindável ciclo de morte e destruição –, como os demais cavaleiros do Apocalipse: horrendos e assustadores; criando obstáculos de toda a sorte para a vitória da Justiça.
Mas – afinal, meus amigos – essa é a nossa realidade, a nossa vida e o motivo pelo qual celebramos o nascimento de Cristo: a possibilidade de, mesmo ante toda a angústia e tristeza, celebrarmos a vida, a esperança, o amor, a liberdade de todo o mal, e a alegria que, assim esperamos, todos vimos a vivenciar por meio de atos caridosos, fraternos e solidários, nesse Natal.
E Deus, muitas vezes fazendo do mal a ocasião do bem, encaminha todos os atos humanos para o Fim último. Pois a Lei Suprema da História é dada num provérbio nosso: "Deus escreve direito por linhas tortas". Por isso, não percamos a oportunidade de fazer o bem, sempre, àqueles que estão perto de nós e, principalmente, aos mais necessitados.
Feliz Natal a todos e um próspero ano novo.